Foi
com Emanuel Gurgel que o forró virou um negócio grande no Ceará. Ao O
POVO, o empresário que tem seus métodos copiados até hoje, fala sobre a
trajetória de sucesso
A
reportagem foi recebida na fazenda onde mora, a Ingá, em São Gonçalo do
Amarante. Chegamos na companhia da filha Rebeca, 21, que a todo
instante se derretia de afetos ao pai. Foi em seu escritório,
improvisado em uma ventilada varanda com vistas para açudes e sertão,
que entre um cigarro e outro o empresário Emanuel Gurgel recordou o
tempo em que revolucionou a forma de fazer forró no País. (Dalviane
Pires)
O POVO - Como o senhor percebeu que forró poderia dar dinheiro?
Emanuel
Gurgel - Existem dois tipos de economia: a intuitiva e a científica. A
intuitiva diz que você tem uma ideia e acredita nela. Tenho uma
filosofia que é um negócio chamado sacada. Você tem que ter a sacada na
frente. Eu gostava de ir pra festa dançar. Na época tinha uma banda
chamada Black Banda. Toda vida, quando faltava meia hora para o
intervalo, a banda começava a tocar forró. O salão ficava lotado. E eu
só gostava de dançar forró. Então eu ficava preso numa festa durante
umas cinco horas, para dançar poucas músicas. Fiz amizade com o pessoal
da banda, fiquei sócio deles. Banquei o disco. Pra você ter uma ideia,
quem tocava sanfona há 20 anos atrás era o pedinte, o cego que ia nas
feiras. Hoje você não vê mais pedinte tocando sanfona. Todos hoje estão
tocando nas bandas de forró.
O POVO - Conseguiu que a banda passasse a tocar só forró?
Gurgel
- Foi feita uma reunião com eles e a segunda filosofia que coloquei é
que como eles eram de uma banda estourada, não podiam vender as datas.
Que as datas tinham que ser bancadas. Festas bancadas é quando você é
sócio e a cada festa eu era sócio.
O POVO - Não fechava um cachê...
Gurgel
- Isso. Mastruz com Leite, por exemplo, eu não vendia por preço nenhum.
E hoje, 20 anos depois, as bandas copiam a ideia. Antes artista nenhum
no mundo fazia isso. Por que? Porque o artista é artista, não é
comerciante. E eu como não sou artista...
O POVO - Mas como foi o momento da “sacada”, como o senhor diz?
Gurgel
- Aí volto à economia científica e intuitiva. Uma depende muito da
outra, mas a intuição é muito mais forte. Uma grande ideia revoluciona
tudo.
O POVO - Verdade. Mas vamos voltar para a Black Banda...
Gurgel
- Sim...a Black Banda simplesmente não quis tocar só forró. Eu dizia
“rapaz nós temos que sair do Ceará. Vai ter uma hora que vocês vão
cansar e quando cansarem não vão ter mercado além das fronteiras”. E
eles não acreditavam.
O POVO - Foi aí que surgiu a sacada de montar a própria banda?
Gurgel
- Como eu notei que o salão ficava lotado, pensei: rapaz, se botar uma
banda tocando só forró, o salão vai ficar o tempo todo lotado. Era a
lógica. O que as pessoas mais reclamavam? Do intervalo musical. Uma hora
da manhã parava e ficava até uma e meia, os músicos ficavam
cozinhando... Daí montei uma banda chamada Aquarius, mas como peguei
músicos da mesma filosofia da Black Banda, não deu certo.
O POVO - E o que o senhor fez?
Gurgel
- Resolvi montar uma banda que não tivesse vergonha. Ah, outra marca do
Emanuel Gurgel foi dizer no meio da música a vinheta “É o forró Mastruz
com Leite”.
O POVO - E isso pegou também nas outras bandas...
Gurgel
- Todas as bandas hoje fazem, anunciam. Só uma pessoa no mundo sacou
isso. O Mansueto Barbosa, já falecido, um dia me chamou na sala dele e
disse: “vou cobrar pra cobrar sua música! Você colocou uma vinheta na
sua música. Está vendendo um comercial”. Música é um produto em uma
prateleira de consumo. E ou dá certo ou não dá certo.
O POVO - E deu...
Gurgel
- Na época o sonho de todo artista era gravar pela Continental. Nós
conseguimos o contato. Antes, gravamos o primeiro CD em um estúdio do
meu amigo Marcílio, um dos homens mais sérios que eu conheço no mundo da
música, que não costuma ter muita gente séria. O índice de safadeza na
música é parecido com o Senado, com as devidas proporções. Fomos gravar e
não tinha repertório. Conseguimos só duas músicas inéditas. Quando veio
a fita cassete para eu tirar a prova, o Marcílio tinha tirado todas as
assinaturas “É o forró Mastruz com Leite”. Liguei para o Marcílio e
disse “você gravou o maior sucesso da vida do seu estúdio”. Ele começou a
rir e eu continuei: “dez horas da noite vai tá todo mundo aí para
colocar tudo que você apagou”. Terminamos quase cinco horas da manhã
achando o ponto certo.
O POVO - E a Continental aprovou?
Gurgel
- E prometeu que o Mastruz e ia tocar na Globo, no Rio...Começaram a
vender, vender e como eu era marinheiro de primeira viagem acreditei que
o mundo da música era igual ao mundo que eu conhecia, de comerciante
sério. Mas era só promessa. Queriam só vender o disco do Mastruz e bye,
bye Brasil.
O POVO - E foi aí que surgiu a ideia de criar a SomZoom?
Gurgel
- Na época ninguém no Ceará tinha som de qualidade. Todos os sons eram
ridículos. Chamei o Trigueiro Neto, do Rio Grande do Norte e disse:
“Trigueiro vamos montar um estúdio. Quanto custa?”. Ele disse que era
150 mil dólares. Tudo era dolarizado.Disseram que nunca na vida eu ia
ver o retorno desse dinheiro.
O POVO - Mais uma vez a intuição?
Gurgel
- A intuição. Quando montei o estúdio, nunca aceitei que o cara
gravasse e pagasse as horas. O cara que gravava, eu tinha que ser sócio
da gravação dele. Por isso surgiu um monte de banda.s. Eu dava estúdio, a
gravação e a ideia. Não existe ninguém do planeta terra pra ter levado
cacetada maior da pirataria do que eu. De 520 funcionários a SomZoom tem
hoje uns 150.
O POVO - Com o estúdio o Mastruz com Leite estourou mais ainda...Gurgel
- A primeira gravação do estúdio foi logo uma cacetada: “Meu vaqueiro,
meu peão”. Daí resolvi gravar os próprios CDs, montar uma gravadora, a
SomZoom.
O POVO - Resolveu também a questão dos intervalos na festa?
Gurgel
- Começamos a tocar cinco horas seguidas. Coloquei dois bateristas,
dois sanfoneiros...Como eram muitos shows, acabei ficando preso na minha
própria armação. Depois tirei o show pra duas horas e criei uma outra
banda. Aí Matruz tocava duas horas e outra banda entrava e Mastruz ia
pra outro canto. Quatro, cinco bandas em festa foi ideia minha. A SomZom
chegou a ter 11 bandas e 160 músicos. Daí eu comecei a sair do Estado
com o Mastruz. No começo essas bandas cobriam o prejuízo do Mastruz
fora. Mastruz fez show para 11 pessoas em Recife.
O POVO - Não eram conhecidos?
Gurgel - Não. Ia, levava o disco e fazia promoção com rádios em uma figura conhecida chamada “jabá”. Conhece “jabá”?
O POVO - Conheço, mas não gosto...
Gurgel
- Pois eu gosto. Dentro do feijão. Fora isso, sofri muito com ele.
Quando deixava em Recife começa a tocar e quando eu dava as costas não
tocavam mais. Então a ideia era fazer um negócio que ninguém metesse a
mão. Uma rede de rádio. Voltando ao objetivo de que música é um
comércio, mandava sinal pras rádios no interior e pagava um tanto para a
energia. Ora, o cara não ia gastar funcionário naquele horário, ia ter
boa programação e ainda ia ter o dinheiro para pagar a energia...E é por
isso que a SomZoom Sat ainda dá tanto certo.
O POVO - Então com a rádio o forró foi pra outros estados?
Gurgel - Empurramos goela adentro.
O POVO - Como nasce um sucesso?
Gurgel
- É quando a música vem do povo pra rádio. Você começa a escutar,
depois chega na casa de show, depois na rádio, aí não tem no mundo quem
segure esse sucesso.
O POVO - Mas como chega na nossa casa sem passar pela rádio?
Gurgel
- Uma pessoa faz uma banda, coloca músicas boas, aí faz um CD e entrega
pra você, depois uma amiga escuta e tira uma cópia e aí vai. Leva um
tempo? Leva. Quando o sucesso é no rádio você vai no atacado. Aqui você
vai no varejo e picotado, mas é mais consistente. Hoje a distribuição é
no CD, antes era da fita cassete.
O POVO - E como que se identifica uma banda que vai fazer sucesso?
Gurgel
- Aí só Jesus Cristo. O que acontece é que muita gente monta uma banda,
mas esquece que está montando um negócio. 90% dessas bandas que nascem e
morrem no outro dia funcionam assim. Acham que o Emanuel Gurgel ganhou
muito dinheiro, ficou rico e não sabem que eu já vivia muito bem antes
de ter bandas de forró.
O POVO - Mas explique melhor...
Gurgel - Só existe um jeito de você assumir uma banda de forró para fazer sucesso: é você ter dinheiro para bancar.
O POVO - E o senhor ainda é muito procurado para bancar bandas?
Gurgel - Muito. Até para dar entrevistas. (risos)
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