segunda-feira, 2 de abril de 2012

ENTREVISTAS


Matéria da Revista Veja publicada em 22.04.1998

Sanfona, zabumba e triângulo estão em alta. O forró é a nova aposta da indústria de discos. Nas próximas semanas, a Sony Music lança sete CDs dedicados ao gênero. O pacote, além de revelar novidades, traz nomes como o de Alceu Valença, que migrou do maracatu para o forró, e da ressuscitada Amelinha, compreensivelmente afastada do mundo da música desde que cometeu a insuportável Foi Deus Quem Fez Você. Outra multinacional do disco, a BMG, está lançando a coletânea Barraca do Gonzagão, com uma dúzia de forrozeiros cantando sucessos de Luiz Gonzaga. A Continental ataca com o CD da banda Alta Tensão, animadora da casa de forró mais concorrida de Fortaleza, o Pirata Bar. Até Genival Lacerda está de volta, num disco em homenagem a Jackson do Pandeiro, lançado pela RGE. Todos esses lançamentos vêm retirar o forró do limbo em que o gênero se encontrava no mundo do disco. O ritmo, que sempre foi forte no Norte e Nordeste do Brasil, só estava acessível em lançamentos independentes e em fitas piratas, em geral vendidas em feiras como a de São Cristóvão, ponto de encontro dos nordestinos no Rio de Janeiro. Com a nova ofensiva, esse tipo de música estará disponível em gravações de alta qualidade e em CD.

A nova onda de forró confirma a riqueza e diversidade cultural do mercado musical brasileiro. Num país grande como o Brasil, vários ritmos sobrevivem simultaneamente e têm seu público em escala regional. De tempo em tempo, as grandes gravadoras apostam num desses ritmos e tentam fazer com que pegue em circuito nacional. Foi assim com a axé music, que havia muito tempo fazia sucesso na Bahia, com o boi de Parintins amazônico e com o "nhecovaro-nhecovum" do Sul, popularizado por Gaúcho da Fronteira. A decisão de apostar no forró se deve a dois fenômenos. O primeiro é o sucesso do gênero no eixo Rio—São Paulo em danceterias de classe média. O segundo é a nova vitalidade do ritmo no Nordeste do país. Há bandas de forró que vendem mais de 300.000 discos só nessa região (veja quadro acima). Antes restrito à faixa AM, que é a mais popular, o forró é hoje a base da programação de 63 emissoras FM no país. Algumas estão entre as líderes de audiência em suas praças, principalmente em cidades como Fortaleza, Maceió e Recife. É o caso da pernambucana FM 102, que pulou do décimo para o terceiro lugar no ranking desde que aderiu à moda da sanfona.
Dentro da onda do forró já é possível até enumerar algumas histórias de sucesso. Uma é a do cearense Emanoel Gurgel, descobridor de várias bandas dedicadas ao gênero, entre elas o Mastruz com Leite, a mais bem-sucedida entre as da nova geração, com 3 milhões de discos vendidos em oito anos de carreira. Gurgel, que começou a vida como agente de bandas de baile, hoje possui uma gravadora, uma agência que administra artistas e uma rede de emissoras de rádio, a SomZoom Sat, que faz o forró chegar a sessenta cidades de onze Estados via satélite. Só no ano passado, faturou 3 milhões de reais com suas atividades. No Nordeste, o forró está virando meio de ascensão social. A vocalista da banda Mastruz com Leite, Kátia Cilene, nasceu num bairro da periferia de Fortaleza. Com 22 anos, já comprou uma casa nova para ela e os pais e circula pela cidade a bordo de uma picape importada no valor de 50.000 reais. A banda Magníficos, da Paraíba, foi fundada pelo sanfoneiro José Inácio da Silva, o "Jotinha", que convidou os irmãos para tocar com ele. Hoje, o grupo, contratado pela Sony, é formado por doze músicos e incrementa seus shows com dois casais de bailarinos. Ex-crooner de um conjunto do sertão, o potiguar Adonis Antonio viu seu cachê pular de 5.000 para 10.000 reais desde que assinou contrato com uma multinacional do disco.

Se o forró vai pegar e virar a nova axé music (já está sendo chamado de "oxente music"), ninguém sabe, pois o sucesso tem leis que fogem ao planejamento dos executivos da indústria fonográfica. Há dois argumentos a favor e um contra a explosão do forró. A favor, existe o fato de que é um tipo de música que vem acompanhada de uma coreografia sensual, algo que está meio em falta no mercado brasileiro desde que a lambada saiu de moda. Como se sabe, turistas em férias em Porto Seguro e outros paraísos tropicais adoram trocar umbigadas com as nativas, e estava faltando uma trilha sonora adequada para essa prática. Outro argumento a favor é que as novas bandas de forró tocam bem e modernizaram o ritmo acrescentando, à base de zabumba, triângulo e sanfona, guitarras elétricas e sintetizadores. Ao contrário do que possa parecer, isso não ocorreu por sugestão dos mandachuvas das gravadoras, mas por iniciativa dos próprios músicos, em geral oriundos de orquestras de bailes e em sintonia com o que o público gosta de ouvir. O ponto contra é que ainda não apareceu um músico ou vocalista de destaque nessa nova onda do forró. Como se sabe, a axé music explodiu graças ao pique de Daniela Mercury e, mais recentemente, ganhou novo fôlego com a estampa de Ivete Sangalo. O rap, por sua vez, saiu do gueto e virou sucesso entre a juventude de classe média por causa do carisma de Gabriel o Pensador. Para que o forró incendeie de vez o país é preciso que apareça um cantor capaz de animar a multidão ou, o que talvez seja mais difícil, uma sanfoneira com um belo par de pernas.

Com reportagem de Ana Pessoa, de Fortaleza

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