Matéria da Revista Veja publicada em 22.04.1998
Sanfona, zabumba e triângulo estão em alta. O forró é
a nova aposta da indústria de discos. Nas próximas
semanas, a Sony Music lança sete CDs dedicados ao
gênero. O pacote, além de revelar novidades, traz nomes
como o de Alceu Valença, que migrou do maracatu para o
forró, e da ressuscitada Amelinha, compreensivelmente
afastada do mundo da música desde que cometeu a
insuportável Foi Deus Quem Fez Você. Outra
multinacional do disco, a BMG, está lançando a
coletânea Barraca do Gonzagão, com uma dúzia de
forrozeiros cantando sucessos de Luiz Gonzaga. A
Continental ataca com o CD da banda Alta Tensão,
animadora da casa de forró mais concorrida de Fortaleza,
o Pirata Bar. Até Genival Lacerda está de volta, num
disco em homenagem a Jackson do Pandeiro, lançado pela
RGE. Todos esses lançamentos vêm retirar o forró do
limbo em que o gênero se encontrava no mundo do disco. O
ritmo, que sempre foi forte no Norte e Nordeste do
Brasil, só estava acessível em lançamentos
independentes e em fitas piratas, em geral vendidas em
feiras como a de São Cristóvão, ponto de encontro dos
nordestinos no Rio de Janeiro. Com a nova ofensiva, esse
tipo de música estará disponível em gravações de
alta qualidade e em CD.
A nova onda de
forró confirma a riqueza e diversidade cultural do
mercado musical brasileiro. Num país grande como o
Brasil, vários ritmos sobrevivem simultaneamente e têm
seu público em escala regional. De tempo em tempo, as
grandes gravadoras apostam num desses ritmos e tentam
fazer com que pegue em circuito nacional. Foi assim com a
axé music, que havia muito tempo fazia sucesso na Bahia,
com o boi de Parintins amazônico e com o
"nhecovaro-nhecovum" do Sul, popularizado por
Gaúcho da Fronteira. A decisão de apostar no forró se
deve a dois fenômenos. O primeiro é o sucesso do
gênero no eixo Rio—São Paulo em danceterias de classe
média. O segundo é a nova vitalidade do ritmo no
Nordeste do país. Há bandas de forró que vendem mais
de 300.000 discos só nessa região (veja quadro acima).
Antes restrito à faixa AM, que é a mais popular, o
forró é hoje a base da programação de 63 emissoras FM
no país. Algumas estão entre as líderes de audiência
em suas praças, principalmente em cidades como
Fortaleza, Maceió e Recife. É o caso da pernambucana FM
102, que pulou do décimo para o terceiro lugar no
ranking desde que aderiu à moda da sanfona.
Dentro da onda do
forró já é possível até enumerar algumas histórias
de sucesso. Uma é a do cearense Emanoel Gurgel,
descobridor de várias bandas dedicadas ao gênero, entre
elas o Mastruz com Leite, a mais bem-sucedida entre as da
nova geração, com 3 milhões de discos vendidos em oito
anos de carreira. Gurgel, que começou a vida como agente
de bandas de baile, hoje possui uma gravadora, uma
agência que administra artistas e uma rede de emissoras
de rádio, a SomZoom Sat, que faz o forró chegar a
sessenta cidades de onze Estados via satélite. Só no
ano passado, faturou 3 milhões de reais com suas
atividades. No Nordeste, o forró está virando meio de
ascensão social. A vocalista da banda Mastruz com Leite,
Kátia Cilene, nasceu num bairro da periferia de
Fortaleza. Com 22 anos, já comprou uma casa nova para
ela e os pais e circula pela cidade a bordo de uma picape
importada no valor de 50.000 reais. A banda Magníficos,
da Paraíba, foi fundada pelo sanfoneiro José Inácio da
Silva, o "Jotinha", que convidou os irmãos
para tocar com ele. Hoje, o grupo, contratado pela Sony,
é formado por doze músicos e incrementa seus shows com
dois casais de bailarinos. Ex-crooner de um conjunto do
sertão, o potiguar Adonis Antonio viu seu cachê pular
de 5.000 para 10.000 reais desde que assinou contrato com
uma multinacional do disco.
Se o forró vai
pegar e virar a nova axé music (já está sendo chamado
de "oxente music"), ninguém sabe, pois o
sucesso tem leis que fogem ao planejamento dos executivos
da indústria fonográfica. Há dois argumentos a favor e
um contra a explosão do forró. A favor, existe o fato
de que é um tipo de música que vem acompanhada de uma
coreografia sensual, algo que está meio em falta no
mercado brasileiro desde que a lambada saiu de moda. Como
se sabe, turistas em férias em Porto Seguro e outros
paraísos tropicais adoram trocar umbigadas com as
nativas, e estava faltando uma trilha sonora adequada
para essa prática. Outro argumento a favor é que as
novas bandas de forró tocam bem e modernizaram o ritmo
acrescentando, à base de zabumba, triângulo e sanfona,
guitarras elétricas e sintetizadores. Ao contrário do
que possa parecer, isso não ocorreu por sugestão dos
mandachuvas das gravadoras, mas por iniciativa dos
próprios músicos, em geral oriundos de orquestras de
bailes e em sintonia com o que o público gosta de ouvir.
O ponto contra é que ainda não apareceu um músico ou
vocalista de destaque nessa nova onda do forró. Como se
sabe, a axé music explodiu graças ao pique de Daniela
Mercury e, mais recentemente, ganhou novo fôlego com a
estampa de Ivete Sangalo. O rap, por sua vez, saiu do
gueto e virou sucesso entre a juventude de classe média
por causa do carisma de Gabriel o Pensador. Para que o
forró incendeie de vez o país é preciso que apareça
um cantor capaz de animar a multidão ou, o que talvez
seja mais difícil, uma sanfoneira com um belo par de
pernas.
Com
reportagem de Ana Pessoa, de Fortaleza
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